domingo, 29 de julho de 2012

Com quantas?


Mas eu mudei. Me sinto como aqueles caras que passaram vinte anos na cadeia por ter esquartejado e ocultado o corpo da própria mãe e, depois de quitar suas contas com a sociedade, andam pelas ruas atrás de emprego digno, suplicando por uma chance de mostrar sua reabilitação.

Mas só eu acredito em mim. Porque só eu posso sentir a nobre pureza da minha nova essência. Ou talvez seja só uma sensação passageira, uma crise de identidade, uma reação tardia ao abandono do meu pai. Cansei desse troço, no duro. Com quantas mil pessoas você precisa dormir até esquecer uma só?

Trecho de Juliete Nuca Mais (026) - Gabito Nunes

sexta-feira, 13 de julho de 2012

É decepcionante


"Mas é exatamente esse o problema em ser sincero. A gente tenta falar com sinceridade. Embora tenhamos que ser falsos às vezes porque a coisa toda é falsa, de uma certa forma, como um jogo. Mas você espera que, se alguma vez você for sincero com alguém, essa pessoa pare com as reações plásticas e seja sincera com você. Só que todos estão jogando o jogo, e algumas vezes fico nu e sincero, com todos me mordendo. É decepcionante."

John Lennon

terça-feira, 10 de julho de 2012

Possível?

O amor chega em uma hora e eu ainda não consegui comer, escolher a roupa, arrumar minha franja, decidir se já posso amar. O amor chega em uma hora e vai quebrar meu gesso mas eu não decidi se os ossos já estão bons o suficiente. Mas ele vai chegar com trinta martelos e eu vou estar esperando, forte e decidida, pra receber a porrada. E o ar que vai entrar. E mais dor. E o ar que vai entrar. E quem sabe então alguma felicidade, já que fui corajosa. Quem sabe a felicidade seja a harmonia entre a dor e o ar que entram pelos poros que temos coragem de abrir? E quem sabe só o amor seja o martelo possível?


Tati Bernardi

quarta-feira, 4 de julho de 2012

"Então, não há tanto perdido nem deixado para trás; é mais como se as coisas houvessem sido distorcidas e destiladas. E, embora eu encontre consolo nesta cópia retocada da pessoa que ela foi um dia, em noites como estas, anseio pelo verdadeiro."


"A realidade. Nua e crua.
Talvez o resultado da perda - as migalhas de lembranças - tenha, de alguma maneira, me amedrontado mais do que a perda em si. A verdade é que eu nunca aprendi a andar de bicicleta porque, entre outras razões, é algo que nunca se esquece. Esta sou eu: alguém que ao mesmo tempo anseia por algo e teme pelo compromisso de lembrar. Há o esquecimento, a desintegração da memória, de pouquinho em pouquinho; e há a impossibilidade de esquecer, a marca em cicatriz, com todas as suas camadas. Ambos me assombram de suas maneiras próprias.
Você jamais conhecerá a pessoa que um dia eu fui, aquela que existiu antes de você, de algumas formas, antes mesmo que eu fosse eu. Mas esta história de quem eu me tornei, esta história sobre nós, é seu legado, tanto quanto meu."

Trecho do livro, O Oposto do Amor - Julie Buxbaum