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domingo, 11 de novembro de 2012

O fim do dia


Agora mesmo estou dependurando um bebê chorão pelas axilas, como se eu fosse um agente secreto removendo cautelosamente uma bolsa abandonada em algum metrô no centro da cidade. Isso que eles chamam de filho, não é meu. É de dois amigos que largaram nosso tempo de solteiros a fim de formar uma unidade própria de povoação do planeta, como se fosse disso mesmo que o mundo necessita urgentemente: novos bebês-bomba, prestes a explodir sopa de couve no meu colo.

Eles estão "evangélicos" a respeito da coisa, acham realmente que o contato direto com o material talvez possa me servir de inspiração para imitá-los. Com um pouco de esforço, seguro alguma lágrima onírica e nostálgica dos verões em que nos reuníamos nesta mesma sala para tomar Cointreau e discutir a viabilidade de montar uma banda cover de Bob Dylan, com duas backing singers femininas e ruivas, de preferência. Agora não, com uma pequena viagem pela sala, dá pra notar que meus amigos arrumaram uma nova diversão, e tudo gira em torno de partos, mamadeiras, chocalhos e liquidações de fraldas.

Não me sinto tão desconfortável desde a acareação com aquele traficante que me levou a carteira e o carro. Devolvo rapidamente a criança, piso num brinquedo borrachudo que soa um grito estranho e sento novamente no sofá, já preparando um sorriso polido para lidar com tudo o que eles têm a me dizer hoje em dia. Não sei se quero voltar pra casa ou para os Anos 90.

Vocês viram que há uma remasterização com gravações inéditas de "Nevermind" ou a evolução nas pesquisas contra a AIDS? Claro que não. Seus roteiros de vida não mais incluem música e filmes, aparentemente jovens-pais-recém-casados vivem num mundo sem epidemias. Eles passam o tempo todo contando as grandes evoluções do matrimônio desde 1920. Parece que agora homens também cozinham e tiram o lixo, e as mulheres podem sair na rua sem seus maridos. Eles justificam-se o tempo todo, tentam descaradamente convertê-lo, como se você tivesse tomando um ônibus munido de uma notificação judicial por serem praticantes ocultos da monogamia.

Eu sei o que há de errado com essas pessoas. Os casados pensam que suas maldades são invisíveis. Inconscientemente eles sabem que foderam com suas vidas precocemente, e querem você ajudando a carregar a cruz. Não é cômico? As mesmas pessoas que não aguentaram míseros três anos morando sozinhos desde a saída da casa dos pais precisam de você admitindo que tem 30 anos e fracassou por não organizar uma família a tempo. Como se na minha idade todas as lojas que vendem ferramentas estivessem fechadas ou eu já tivesse ultrapassado a época de usar bigode.

Já fiz sandices como berrar nomes de garotas debaixo de chuvas e janelas, já escrevi quilométricas cartas de amor e fiz serenatas ridículas em palcos de karaokês. Mas tenho de confessar. Casar e ter filhos antes de esgotar todas as possibilidades com apenas três décadas vividas é uma verdadeira loucura de amor. Palmas. Você precisa estar muito seguro ou desesperado pra dizer "sim" e deixar todo o resto por isso mesmo.

Mas é no fim do dia que somos honestos com nós mesmos. Não importa se você tem filhos, uma banda, uma bela esposa ou uma lista da Rolling Stone com as melhores canções pra ouvir antes de morrer. Você sempre acerta suas contas com o fim do dia. Hoje voltarei pra casa, para o meu prato solitário na mesa, algum recado de alguém bacana no meu computador, meus seriados na televisão e será só isso. Amanhã, eu já não sei. Meu maior medo é sentir solidão mesmo bem acompanhado. Quando você ainda está procurando seu lugar e já deveria estar sentado sobre ele no exato instante em que alguma coisa dói. É a sensação de estar em busca que me conforta.

Não importa minha idade, minha condição financeira ou civil, se ao meu redor há montes de gente procriando feito ratos no cio. Enquanto meus dias continuarem terminando bem, nada nem ninguém vai me convencer que tomei o caminho errado e que logo logo estarei diante da placa "Viu o que você fez? Agora é tarde". Honestamente? Eu acho que meus amigos só se juntaram para ter um bebê com o exclusivo propósito de me irritar. 

 Gabito Nunes

quinta-feira, 9 de agosto de 2012



"Mas é essa tensão, essa pressão física. Só esse discurso de viver-intensamente-cada-dia-como-se-fosse-o-último já me deixa cansado."

Gabito Nunes

domingo, 29 de julho de 2012

Com quantas?


Mas eu mudei. Me sinto como aqueles caras que passaram vinte anos na cadeia por ter esquartejado e ocultado o corpo da própria mãe e, depois de quitar suas contas com a sociedade, andam pelas ruas atrás de emprego digno, suplicando por uma chance de mostrar sua reabilitação.

Mas só eu acredito em mim. Porque só eu posso sentir a nobre pureza da minha nova essência. Ou talvez seja só uma sensação passageira, uma crise de identidade, uma reação tardia ao abandono do meu pai. Cansei desse troço, no duro. Com quantas mil pessoas você precisa dormir até esquecer uma só?

Trecho de Juliete Nuca Mais (026) - Gabito Nunes

domingo, 22 de abril de 2012

Eu já sabia


O de sempre, basicamente: ainda que com a porta fechada, pela janela eles pousam no meu quarto com alguma das asas machucadas, sofridos, desmoronando, com uma carinha irresistível de choro. Eu dou meu carinho de mãe, meu amor de mulher, meu papo de irmã mais nova, meus conselhos de melhor amiga e quando eles ficam mais corados e sorridentes, lá se vão, batendo as asas, para alguém mais ensolarado que eu. A mesma coisa, toda vez. Eles vêm, eu os conserto, eles vão. Eles vêm, eu os conserto, eles vão. Eles vêm, eu os conserto, eles vão.

Talvez eu seja algum tipo de oficina de homens que sofreram maus tratos de algum momento do relacionamento anterior. Quem sabe eu compre um espaço no jornal e coloque um anúncio com a descrição dos serviços oferecidos, pois claramente meu negócio está indo bem. Deveria existir uma parte no meu cérebro, um órgão qualquer, que regule as propagandas enganosas que chegam à tela do meu córtex, que selecione melhor o que vai me tirar o ar, já que auto-censura nunca foi meu forte.

Acho que é por esta razão que as pessoas tanto associam o amor à mágica. Às vezes alguém me mostra um pouco dele, e depois o faz desaparecer numa cartola. E eu me pergunto: ei, como você consegue fazer isso?

                                                                            ***

Aí, eu encontrei você, nós nos conhecemos, eu te consertei, te fiz perfeito pra mim, nos amamos, moramos juntos e agora você está voltando pra casa.

                                                                           ***

Naquele cenário infeliz de sobras de chá de cidreira, lenços de papel amassados pelo chão, cobertor no sofá, cadeiras fora do lugar, mala aberta por sobre a cama, livros e CDs embrulhados, dentes e sorrisos guardados, eu não disse nada, quase nada, até porque seria uma deformidade. Mas estou dizendo agora. 

Desculpa por nunca considerar você uma aposta segura e razoável, por ficar noites de guarda te esperando cometer um erro dantesco e irreparável e definitivo todas as sessenta semanas que passamos juntos, e que devem ter sido incríveis – um dia, quando tudo isso passar, e eu me esquecer do seu rosto me dizendo “eu quero que você se dane”, você me conta. Desculpa por nunca, em nenhum momento, deixar de acreditar que lá fora existia um cara imperfeito pra mim, ou pelo menos melhor do que você, em todos os aspectos. 

Desculpa por agir feito uma diabinha sempre espetando com um tridente nossos ocasionais dias de sossego.
 É que na minha cabeça já estava tudo preparado pra dar errado. Eu não mudei toda minha estrutura de vida, eu não conheci seus amigos de infância, eu não planejei uma viagem de férias, eu não parei com a pílula, eu não... nada. Eu sempre vivi uma vida de propagandas e na primeira oferta concreta e interessante que recebi, era tarde, eu já tinha vendido minha alma.
 
Quando eu te chamava de “amor”, não sei, era só um modo de falar. Talvez minha liberdade seja um poste sem iluminação onde ficarei acorrentada pelos tornozelos para sempre. Porque, eu sei. Tudo pode mudar o tempo todo e, tola, sofro desse medo; quando o real perigo à espreita é nada acontecer.

E nada aconteceu. Eu meio que sabia onde as coisas iam dar – foi quase, mas não deram. Não deu. Não dei. Valeu a tentativa, o empenho, o interesse. Eu não estava prestando muita atenção, mas posso sentir em algum lugar aqui dentro de mim que foi bonito. A gente ainda vai se falar por aí, essa não é a conversa final, eu sei como você é.


Gabito Nunes

domingo, 11 de março de 2012

quinta-feira, 25 de agosto de 2011

A sede não seca

"Você continua apto e aberto ao amor. A sede não seca. Se as coisas não aconteceram é porque não aconteceram. Pretensão sua achar que se fechou, que pode decidir, dirigir sua vida. Demita sua analista e olhe pros dois lados. Você só está perpetuando sua primeira experiência sobre o fim, cristalizando a primeira lágrima que caiu, como se tudo aquilo que acabou fosse realmente grande, infinito, definitivo.

O amor te feriu como fere uma flecha sem velocidade e impulsão. Ela cai no chão, você junta e enterra no próprio peito. É pena que quer despertar no outro, no próximo, no amado que se foi? Ninguém tem pena de você. Basta nascer para começar a sofrer, tudo é impermanente, não se iluda. O amor é gasoso, invisível, lendário, metafórico, um sonho. E como todo sonho é insólito, não pode ser cadeado em algum outro lugar que não o coração.

Seu coração não quebrou, pelo contrário, é única coisa que ficou intacta. Ele está lá, esperando por outrem. Como o meu, que pulsa melhor que antes. Um dia vou despertar e voltar a me abraçar com a solidão, estou sabendo. Por hora, não. Amanhã. Hoje, sigo sorrindo, chantageado pela minha versão atual. Toda manhã meu sonho acorda dentro de outro sonho."

Gabito Nunes

segunda-feira, 22 de agosto de 2011

"Depois de todas as tempestades e naufrágios, o que fica em mim é cada vez mais essencial e verdadeiro”. Caio F. Abreu

"Um dia o peito desenferruja e a gente abre a mão pro que há de vir. Não agora. Não entendo a urgência. Eu por exemplo, não tenho pressa, desde que seja logo." Gabito Nunes
Acorde, garota! Você é linda, inteligente, tem um ótimo perfume e seus olhos brilham mais que um punhado de purpurina. Por que chora? Perdeu em alguma esquina seu encanto?! Ninguém pode tirar de você seu mais belo sorriso, motivo de idas e vindas saltitantes. Coloque sua música favorita para tocar, respire fundo e faça o que de melhor sabe fazer: ser você. C.F.A.

quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Depois eu lembrei que todo mundo passa mas ninguém fica, eu tive vontade de chorar. Tati Bernardi

"Dorme e acorda amanhã, num novo dia. Faz de conta que é otimista ou que esse amor não significava nada. Se a maioria acha triste a sensação de estar esquecendo uma feição, pra mim é um alívio discordar."



Gabito Nunes

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Amor de linhas tortas


Quando vem isso, essa angústia, essa falta de eletricidade entre nós, te mando embora. Mas fico impressionada de como você muda na hora de ir. Fica mais bonito, mais comovente, mais engraçado, mais tentador, mais charmoso, mais irresistível. Mas, e daí? Fica. Foi uma crise dessas internas, quando o sentido de tudo sofre um mal súbito. Você sabe, eu procuro o amor romântico. O que vou fazer? Não sei me enganar. Acho que é instinto, algo muito maior que eu. Bastam uns dias sem te ver pra eu já não saber o que fazer com os próximos. Por um fio não pego um banquinho alto e tento me decapitar com a hélice do ventilador de teto. Talvez uma morte ridícula possa animar minha noite. Mas eu não quero morrer, é uma depressão, um cansaço que chega quando o sentido se esconde. São apenas mudanças. Nossas necessidades trocam o tempo todo, hoje carinho, amanhã sexo, depois dinheiro, romance, diversão, solidão, quietude ou merda qualquer. Quando vê a gente se perde. É só tudo perder o sentido e a gente se separa. É só a gente se separar pro sentido voltar. O brabo é toda hora ficar procurando uma nova canção que sirva pra nós. Isso me incomoda. Ontem, eu premeditei seriamente em te dizer "olha, senta aqui, não tá dando mais, acho que vou seguir um caminho diferente e mais fácil, não fala nada não, eu já me decidi". Eu realmente me sinto culpada por pensar assim, às vezes, toda semana. Não sei se você concorda comigo, mas estar junto não é tão ruim assim. Então, fica sempre pra depois. Não vou dizer que é tudo mágico. Mas eu também não quero perder nada. Você vai argumentar com alguém com todos aqueles trejeitos engraçados e quero estar lá pra rir. Vai roçar com a ponta de todos os dedos a barba mal feita no gogó e eu quero estar lá pra implicar. Eu quero protestar quando seus pratos não seguem a receita que achei na internet. Tem sempre um filme na tevê que ainda não passou. Não sei se é apego ou porque minha vontade de saber o que você vai me aprontar amanhã nunca cessa. Tem sempre algo que a gente sonhou fazer juntos e não quer deixar inacabado. Ninguém tira meia fotografia, ninguém viaja até a metade do caminho, não fica bem sair no meio de uma peça de teatro, ninguém telefona por meia pizza. Um trabalho não finalizado não é um trabalho. Vai ter sempre algo. Uma roupa pra buscar, uma festa de aniversário de algum amigo em comum, um truque novo na cama, um episódio de estreia daqueles seriados que você me ensinou gostar, a doença da sua mãe. Essas pequenas coisas. De algo em algo, a gente vai levando. As coisas que acabei de dizer, leve em consideração só até a meia-noite. Eu sempre tento virar a página sem grifar as partes importantes com alguma caneta de cor alarmante. Mesmo num amor de linhas tortas como o nosso, o fim parece um erro, como um ponto final no meio da frase. 

Gabito Nunes. 

sábado, 4 de junho de 2011

Mas uma lembrança

Muitas vezes reclamei daquelas viagens para o interior. Mas sendo cliche na nostalgia que anda desmasiada, agora eu só queria viajar com voce de novo. Comer o camarao a moda california e os bombons deliciosos que voce sabe quem preparava. Saudade da sua gente engraçada, principalmente do rosado e do seu igual que implicava atoa comigo. E posso até dizer que aprende a gostar dela tambem, acredite ou nao. Mas como sempre só saudade e gotas de arrependimento.
Willi S.

sábado, 14 de maio de 2011

Sou só uma mulher, me trate como tal

Não deixe pro dia seguinte. Não existo amanhã. Eu só existo dentro dos seus olhos, da sua boca, dos seus braços...

- Este texto poderia se chamar "Como entender uma mulher?". Mas ao final da leitura você terá descoberto que não é preciso uma resposta para esta pergunta.
"O amor não é prosa e nem poesia. Aquelas três palavras não me servem. São sonetos sem pele, versos que não ressoam, metáforas que não suam, frases que não cheiram. "Eu te amo" não diz nada, entende? Não escreva o que sentiria se acordasse comigo. Acorde comigo. Não imagine meu cheiro. Me cheire. Não fantasie meus gemidos. Me faça gemer. O amor só existe enquanto amar. Ação. Calor. Verbo. Presença. Milímetros. Hálito.
[...] Não me elogie a quilômetros ou horas de mim, não digite meu nome, não me telefone no meio da noite, não me convide por webcam, não quero um e-mail seu. As frases, as confusões, as lágrimas são minhas. Você tem o corpo.
[...] Sou só uma mulher, me trate como tal. Fui feita pra ser tocada, não compreendida, decifrada, poetizada.
Não sou tempestade. Sou abraço. Não sou química. Sou física. Não sou vento. Sou movimento. Não sou música. Sou reboladas. Meu corpo não é o paraíso, é um lugar. Faça de mim o seu lugar. More em mim ou seja meu vizinho. Caminhe com o áspero da sua língua em todas as minhas texturas, meus calcanhares, minhas coxas, minhas axilas, minhas nádegas, entre os dedos na minha mão, atrás da orelha, no couro cabeludo, no lábio inferior, embaixo dos seios.
Eu não preciso de um bilhete, eu preciso de uma massagem na cintura, nos pés, na barriga. Eu não quero flores vermelhas, quero você dizendo baixinho o quanto sou gostosa. Não pense em mim. Me coma. Não me pondere. Me atravesse. Não me console. Me acarinhe. Não me deseje. Me deslize. Não me descreva. Me aproveite. Não me leia. Me dance. Não me pergunte. Me invada. Não me solucione. Me enxugue. Não me controle. Me conduza.
Puxe meu quadril, morda meu queixo, bagunce meus cabelos, chupe meus joelhos, esfregue seu peito em minhas costas, lamba a planta do meu pé, toque minha lombar, cheire minha virilha, aperte minhas vértebras, me dê a mão, respire perto de mim, me faça rir, uma omelete, um cafuné no sofá. Não sou uma floresta intocada. Sou uma mulher novamente virgem minutos depois que sua mão me abandona. Deguste meus cheiros, fareje meus gostos, beije minhas cores.
Não ache que consegue me abrir, me comover, me prender com apenas três palavras. Não quero ler ou saber que você me ama. Quero sentir isso. Quero tomar banho com você, ser olhada com ternura, que você se confesse entre meu pescoço e meus seios. Peça meu colo, abra minhas pernas, penetre seu carinho, me cante, se importe comigo, ejacule seu querer sobre mim, escute meus medos, enrole minha franja, persiga meu gozar.
Não perca a chance, não deixe pro dia seguinte. Não existo amanhã. Eu só existo dentro dos seus olhos, da sua boca, dos seus braços, na ponta dos seus dedos. Esqueça tudo que leu e ouviu sobre mim. O tempo que demora pra me fazer um texto é o suficiente pra derramá-lo sobre mim. Não me descreva, não me entenda, não diga me amar. Me ame apenas. O corpo é a única prova de amor."

(A única prova de amor / Texto de Gabito Nunes)