domingo, 19 de junho de 2011

O Livro


Ele me deu um livro. Eu dei a ele um livro. Coincidência. Ele me deu poesia. Eu dei romance. Não conheço esse autor, eu disse. Foi recomendação do vendedor. Não acredito que você me deu esse livro! Como conseguiu? Como achou? Procurei em todos os sebos da cidade. Encontrei no último. Gostei desta, curta, intensa. Que bom que gostou. Nem olhou. Vou devorar esse.
Queria ser aquele livro. Queria que ele me amasse naquele instante como amara aquele livro que ele ainda nem tinha lido. Mas pelo menos ele se esforçava. Ele me olhava com interesse, atenção e um pouco de carinho. Mas quando abriu aquele pacote seus olhos tinham uma paixão de olhos grandes, empolgante. Queria ser aquele pacote. Queria que ele me devorasse. Com olhos. Queria que minhas coxas fossem aquelas páginas. Que a boca fosse a capa. Queria que meus olhos fossem aquelas frases. Meus seios seriam as dobras na ponta do livro. E meu perfume seria aquele cheiro de livro velho, guardado e amarelo. Ele adora cheiro de livro velho. Eu não. Me ataca a rinite.  Em silêncio, eu lia o livro de poesias. O do vendedor. Não pude reclamar. Foi uma ótima escolha. Amanhã irei visitá-lo, pensei. Pode indicar outros bons. Eu lia meu livro do vendedor com uma luz baixa da luminária ao lado da minha poltrona azul. Ele lia O Livro esparramado no meu sofá como se estivesse vendo a final do Campeonato Brasileiro de Futebol. Por um momento achei que ele havia pedido cerveja. Continuei a leitura, introspectiva. Ouvi uns gritos e até gemidos! Ele estava fazendo sexo com O Livro. Ali, do meu lado. No meu sofá! E não era comigo. Era com aquele maldito livro. Ah se arrependimento matasse, teria morrido ali e ele nem aí. Estaria muito entretido fazendo sexo com o livro. E ele estava mesmo chegando ao orgasmo. Mas eu até gosto. Gosto dele com olhos grandes, lendo livros e gozando com eles. Gosto muito desse homem que faz sexo com livros com direito a gritos e gemidos. Enquanto tento ler meu livro de poesias num clima calmo. Mas não agüentei. Espiei com um olho por cima do livro. Me entreguei àquela cena e admirava aquele sexo dele com O Livro. Não hesitei. Fechei meu livro e virei uma voyeur daquilo. Ele mal sentia minha presença. Eu só observava. Seriam horas e horas até a última página. Ele não ia parar sequer para respirar. Ele ia até o fim. E eu esperei e esperei e esperei. E não cansei. Depois ia ser a minha vez.

Yvone Delpoio

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Você lê e sofre. Você lê e sorri. Você lê e engasga. Você lê e tem arrepios. Você lê, e sua vida vai se misturando no que está sendo lido. Caio F. Abreu