O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois
de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos
parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro
que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro
repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da
aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não
veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos
saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão;
como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos
braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do
colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no
olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor
nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres;
mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar
diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da
pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas
silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas
da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na
compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles
mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às
vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos
de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em
apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há
mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os
crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas
esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o
tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em
cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno
o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode
virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São
Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta
que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido;
às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante
dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado
entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova York; no
coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o
amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se
desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o
mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não
acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua
reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às
vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode
acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o
amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração
excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no
conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o
amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos
os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.
Você lê e sofre. Você lê e sorri. Você lê e engasga. Você lê e tem arrepios. Você lê, e sua vida vai se misturando no que está sendo lido. Caio F. Abreu
lindo de mais..O amor acaba mas renasce insistentemente...bj..saudades de te ler.bj
ResponderExcluirTmabém achei muito lindo quando escutei... saudades do Intensidade também Quim! Em breve acerto meus horarios e volto a ter tempo por aqui.
ExcluirXeru
Williane, esse texto de Paulo é ótimo! Boa escolha!
ResponderExcluirBeijo iluminado!
Obrigada Alysson!
ExcluirSeja bem vindo aqui no Anjo!
Um xeru!